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Crise climática é amplificadora de outras crises, alerta pesquisadora

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Data Publicação

22/01/2025

10:57h

O ano de 2025 iniciou com chuvas intensas no Sul e Centro-Oeste do pais e estiagem no Nordeste, evidenciando, a cada ano mais, os efeitos da mudanca climatica. Com a crise, desigualdades tambem sao acentuadas e novos desafios globais se impoem.

A urgencia no enfrentamento a crise e a busca por solucoes, temas centrais da 30ª Conferencia sobre Mudanca do Clima (COP30), que sera realizada este ano no Brasil, sao analisadas pela pesquisadora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasilia (UnB).

Em entrevista exclusiva a Agencia Brasil, a colaboradora do Painel Intergovernamental sobre Mudancas Climaticas (IPCC) da Organizacao das Nacoes Unidas (ONU) afirma que a crise climatica e uma amplificadora de outras crises.

"Ela vai contribuir para o agravamento de outras crises que nos ja vivemos. Ela agrava a desigualdade, agrava o problema da fome, agrava o problema dos recursos hidricos, das migracoes humanas, dos conflitos geopoliticos", destaca.

Na entrevista, ela aponta ainda alguns caminhos para amenizar as instabilidades e afirma que a primeira e mais urgente acao e trabalhar nas causas do aquecimento global.

A especialista destaca ainda a importancia de acordos globais do clima, com o Acordo de Paris, adotado em 2015, durante a COP21, a 21ª Cupula do Clima das Nacoes Unidas, em Paris. O principal objetivo do acordo e manter o aquecimento global do planeta abaixo de 2°C ate o final do seculo e buscar esforcos para limitar esse aumento ate 1,5°C.

"Porque nao adianta, por exemplo, o Brasil reduzir suas emissoes [de gases do efeito estufa], se outros paises nao o fazem. E preciso que voce olhe para o lado e a pessoa que esta ao lado deve fazer o mesmo esforco que eu estou fazendo."

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista com a especialista:

Agencia Brasil: Quais sao os efeitos das mudancas climaticas sobre os seres humanos?

Mercedes Bustamante: Eu acho que a gente vai viver pior. O secretario-geral da ONU [Antonio Guterres] fala isso muito bem. A crise climatica e uma amplificadora de outras crises. Ela vai contribuir para o agravamento de outras crises que nos ja vivemos. Ela agrava a desigualdade, agrava o problema da fome, agrava o problema dos recursos hidricos, das migracoes humanas, dos conflitos geopoliticos. Nos construimos as nossas sociedades nos ultimos 10 mil anos em um periodo em que o clima da terra tinha uma relativa estabilidade. Isso significa que a gente se organizou para contar com essa estabilidade climatica. E agora que a gente entra nesse processo de transicao, de instabilidade climatica, estamos percebendo as consequencias que isso vai ter para a forma como organizamos a nossa vida. Eu acho que o quadro mais critico que a gente ve hoje e o aumento da desigualdade. Uma concentracao de renda cada vez mais na mao de poucas pessoas. Isso nos torna ainda muito mais dependentes do fluxo de recursos para combater as acoes da mudanca do clima, mas tambem para encaminhar acoes de adaptacao, ou seja, como e que a gente pode fazer para reduzir os impactos daquilo que vem por ai. O que vemos com muita preocupacao e que se nao tiver uma vontade politica, uma clareza, um engajamento de atores privados tambem, sobretudo aqueles que tem um controle maior da economia, realmente vamos entrar num periodo de muita instabilidade, muita inseguranca.

Agencia Brasil: O que e preciso ser feito para amenizar essas instabilidades?

Mercedes Bustamante: Eu acho que hoje precisamos contar com todas as solucoes possiveis. E claro que a primeira acao importante e trabalhar nas causas do aquecimento global. Realmente e uma transicao energetica feita com seriedade, rapidez e robustez, que diminua a nossa dependencia dos combustiveis fosseis. Acho que hoje realmente esse caminho de abrir mao das reservas de petroleo e investir muito fortemente em outras fontes de energia que nao causem o aquecimento global e o dever de casa obrigatorio para todas as economias, para todos os setores. Depois, nos temos opcoes que tambem passam pelas escolhas individuais, de consumo, de mobilidade, mas e o que eu sempre falo, o individuo, para que ele possa fazer as melhores opcoes, ele precisa das politicas publicas que pavimentem esse caminho. Quando a gente fala, por exemplo, de mobilidade urbana, de as pessoas abrirem mao dos seus veiculos particulares, e que elas podem contar com um sistema publico de qualidade, que funciona no horario, que e limpo, que e acessivel, e isso e politica publica. Quando voce olha a questao de reduzir o risco pela construcao de moradias em locais que sao seguros ou que nao sao apropriados, significa que a politica publica tem que desenhar moradias em locais que tenham atividade economica ativa, porque nao adianta voce jogar as pessoas para longe, onde nao tem atividade economica, onde elas nao vao ter emprego, saude, trabalho. E necessario fazer esse planejamento das cidades. As cidades concentram um grande numero de pessoas, o que significa que elas concentram problemas, mas podem ser tambem o foco de muitas das solucoes. E preciso realmente repensar todo esse planejamento. E eu acho que os individuos fazem as opcoes a partir do momento em que veem alternativas que sao viaveis e que sao colocadas pelo poder publico. Novamente, eu repito, que e muito importante, hoje, com a concentracao de capital na mao de poucos, a responsabilidade do setor financeiro de apoiar as iniciativas que reduzam a crise climatica. O mundo como um todo vai perder. A atmosfera e um bem comum global. Todo mundo precisa dela. Entao, existe espaco para que todos os setores possam atuar. Agora, esse processo de coordenacao, efetivamente tem que ser feito pelos governos, e nao de forma isolada. E por isso que acordos globais do clima sao tao importantes. Porque nao adianta, por exemplo, o Brasil reduzir suas emissoes [de gases do efeito estufa], se outros paises nao o fazem. E preciso que voce olhe para o lado e a pessoa que esta ao lado deve fazer o mesmo esforco que eu estou fazendo dentro do seu contexto.

Agencia Brasil: A mudanca climatica ja tem efeitos efetivos, como o aumento da temperatura global. Quais as adaptacoes nas cidades sao mais necessarias e urgentes?

Mercedes Bustamante: Eu acho que o Brasil tem um dever de casa novamente para fazer com as suas areas urbanas. A gente vem, desde 2011, sofrendo com esses eventos de chuvas extremas, e a missao primeira sempre e salvar vidas. Efetivamente, como e que a gente tira as pessoas dessas areas de risco? Eu acho que esse e um ponto importante. Todas essas cidades que sofreram impactos [das chuvas], como o Rio Grande do Sul, que a gente vive ainda os efeitos, a Regiao Serrana do Rio de Janeiro, la em 2011, e necessario olhar o processo de reconstrucao. Essa reconstrucao tem que ser nova. Vai reconstruir, mas vai reconstruir de uma outra forma talvez em outros lugares. E onde eu acho que ainda estamos precisando avancar muito mais no planejamento. Primeiro, tem que pensar, e se nao acontecesse? Depois, acontecendo, como e que a gente vai lidar com essa situacao? E pensar que se as pessoas retornam para os locais onde elas, e sucessivas geracoes, vem sofrendo com o mesmo tipo de catastrofe, e porque nao tem alternativa. Eu acho que e preciso pensar muito rapidamente nisso. E outro ponto que eu acho que se precisa olhar, como no Brasil, e a agricultura, o setor que mais emite gases de efeito estufa, que envolve o desmatamento de florestas. E pensar que na conservacao dos recursos naturais, o Brasil tem uma dupla oportunidade de olhar o problema da mitigacao, de reduzir as emissoes de gases de efeito estufa e aumentar o sequestro desse gas. Ao mesmo tempo, a recuperacao dessas areas verdes, sejam elas urbanas, sejam na parte do campo, seja a conservacao de areas naturais, e tambem uma acao de adaptacao. Entao, a gente ganha pelos dois lados, se fizer uma gestao ambiental correta.

Agencia Brasil: Olhando para a politica climatica global, como voce acha que as decisoes de outros paises, como as anunciadas pelo novo presidente dos Estados Unidos [Donald Trump reafirmou a intencao de deixar o Acordo de Paris], influencia no enfrentamento a essas crises?

Mercedes Bustamante: Com certeza era muito melhor voce ter o pais que e o segundo emissor global de gases de efeito estufa junto nessa pauta. Reduzindo as emissoes e combatendo os impactos da mudanca climatica. Agora, os Estados Unidos ja sairam num outro momento do Acordo de Paris. E obvio que esse segundo mandato de Donald Trump tem aspectos que sao diferentes, mas hoje muitos aspectos da transicao energetica, iniciativas de empresas, que as companhias ja fizeram, nao vao voltar para tras. A gente ainda vai precisar entender o que realmente vai significar esse novo mandato do presidente [Donald] Trump. Mas que isso nao seja uma carta branca para que os demais paises tambem deixem de fazer os seus esforcos, porque, novamente, os impactos vao ser distribuidos por todos os paises, e vao afetar as populacoes mais vulneraveis desses paises tambem. O que significa tambem mais combustivel para conflitos sociais, para desgastes da classe politica, para dificuldades que a gente ja vem enfrentando. E preciso ter muita atencao a esse tema, como um tema que veio para ficar. Ele pode ter impulsos, onde voce tem governantes que estao mais afeitos a essa agenda e outros menos, em outro momento, mas essa e uma agenda que nao vai sumir. Ela esta ai para nos acompanhar ate o final do seculo ou mais.

Agencia Brasil: Tem mais algum ponto que voce considera importante a gente destacar em relacao a questao da mudanca climatica?

Mercedes Bustamante: Eu acho que o tempo joga muito contra a gente nessa questao. Eu falo que essa e uma pauta que nao vai sumir, mas e obvio que quanto mais cedo tratarmos dela, melhor. Se o problema tivesse sido abordado 30 anos atras, e nao o foi porque as forcas negacionistas se organizaram muito rapidamente, talvez a gente hoje estivesse em um outro patamar dessa discussao. Vamos esperar que as pessoas percebam que o senso de urgencia e primordial para discutir essa questao tambem.