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Conscientização em hospitais reduz cesáreas no Brasil, diz estudo

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Data Publicação

20/09/2024

04:03h

Uma maior conscientizacao dos envolvidos, dos medicos as parturientes, tem provocado a reducao no uso das cirurgias cesarianas para nascimentos no pais, conforme mostra estudo divulgado nesta quarta-feira.

De acordo com o levantamento, realizado por pesquisadoras da Universidade de Sao Paulo (USP) e Universidade de Brasilia (UnB) e publicada na revista Cadernos de Saude Publica, o programa Parto Adequado fez cair em cinco anos 13,7% a proporcao de partos por cesarea nos hospitais privados que decidiram adotar o projeto, criado pelo governo federal como ferramenta para buscar aumentar o numero de nascimentos por parto normal no pais.

No mesmo periodo avaliado, de 2015 a 2019, a incidencia da cirurgia cesariana caiu 3,4% nos hospitais onde o programa nao foi implementado — indicando uma lenta mudanca de mentalidade no pais.

Atualmente, a taxa de cesareas no pais fica em 57,6%, segundo dados do Ministerio da Saude – bem acima da recomendacao da Organizacao Mundial da Saude (OMS) que e de 15%. Essa taxa, porem, e bem maior em hospitais privados, ficando em 86%.

Principal autora da pesquisa, a medica obstetra e ginecologista Andrea Campos, doutoranda da USP, acredita que a ampla adesao das cesareas no Brasil "e um problema multifatorial".

"Envolve a comodidade da realizacao de um parto programado e rapido, que acaba gerando um conflito de interesse para o obstetra", comenta ela.

"Envolve a comodidade da realizacao de um parto programado e rapido, que acaba gerando um conflito de interesse para o obstetra", comenta ela.

Campos explica que quando o obstetra realiza um parto normal, ele "fica sujeito a imprevisibilidade e uma menor remuneracao em relacao a horas trabalhadas". Ela argumenta que isso pode ser resultado do fato de que, no pais, o parto geralmente e acompanhando pelo mesmo medico que realiza o pre-natal — em paises com menor incidencia de cesareas, o parto costuma ser realizado pelo plantonista do hospital ou por obstetrizes. "[Isso] isentaria conflito de interesses", avalia a medica.

Ela cita ainda o fato de que "historicamente, os partos normais sao acompanhados de excesso de intervencoes, sendo muitas vezes vivenciado de forma traumatica por parte das mulheres", e isso acabou criando uma cultura de "muito medo do parto".

Ate certificacao foi criada

O programa Parto Adequado foi criado ha dez anos pela Agencia Nacional de Saude Suplementar (ANS) gracas a uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, de Sao Paulo, e a organizacao americana sem fins lucrativos Institute for Healthcare Improvement (IHI). Desde o inicio, visava valorizar o parto normal e reduzir o percentual de cesarianas sem indicacao clinica.

"E um programa direcionado ao setor privado, mas envolve tambem hospitais publicos", diz Campos.

"E um programa direcionado ao setor privado, mas envolve tambem hospitais publicos", diz Campos.

No ano passado, como uma evolucao do Parto Adequado, a ANS criou a Certificacao de Boas Praticas na Linha de Cuidado Materna e Neonatal, um reconhecimento que pretende estimular operadoras de planos de saude e as redes de assistencia a buscarem medidas para garantir o direito ao pre-natal, ao parto e ao puerperio com qualidade e seguranca.

De acordo com o levantamento publicado nesta quarta, em 2015, quando o Parto Adequado estava em sua fase inicial, havia 35 hospitais participantes. Em 2019, ultimo ano analisado, o numero de adesoes tinha saltado para 108.

Na avaliacao da medica obstetra e ginecologista Adriana Gomes Luz, professora na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), programas como este "sao fundamentais porque promovem uma mudanca cultural e institucional".

"Ao capacitar profissionais, mudar protocolos hospitalares e oferecer suporte continuo as gestantes, esses programas mostram que e possivel reduzir de forma significativa o numero de cesarianas desnecessarias sem comprometer a seguranca", afirma Luz.

"Ao capacitar profissionais, mudar protocolos hospitalares e oferecer suporte continuo as gestantes, esses programas mostram que e possivel reduzir de forma significativa o numero de cesarianas desnecessarias sem comprometer a seguranca", afirma Luz.

"A experiencia do Parto Adequado em hospitais privados de Sao Paulo, por exemplo, demonstrou que a reducao das cesareas e viavel quando ha uma abordagem baseada em evidencias, que prioriza a saude da mae e do bebe. O oferecimento de praticas para alivio da dor neste programa tambem fortalece a iniciativa", complementa ela.

Riscos da cesariana

De acordo com especialistas, cesarianas sem necessidade trazem riscos evitaveis para a mae e para o bebe. "A cultura cesarista no Brasil e o resultado de uma combinacao de fatores historicos, culturais e estruturais. Entre eles, podemos citar a percepcao de que a cesariana e uma forma mais rapida e previsivel de parto, tanto para os medicos quanto para as gestantes, alem da crenca, muitas vezes equivocada, de que ela seria sempre uma escolha mais segura", diz Luz.

"A cesariana sem indicacao acaba apresentado mais riscos que beneficios a longo prazo. Por exemplo, risco de complicacoes em futuras gestacoes como placenta previa, acretismo placentario, alem de maior risco de hemorragia e infeccao", exemplifica a medica.

"A cesariana sem indicacao acaba apresentado mais riscos que beneficios a longo prazo. Por exemplo, risco de complicacoes em futuras gestacoes como placenta previa, acretismo placentario, alem de maior risco de hemorragia e infeccao", exemplifica a medica.

A conscientizacao e a melhor ferramenta para melhorar esse cenario. "Mudar essa cultura traria inumeros beneficios, tanto para as maes quanto para os bebes. O parto vaginal, quando nao contraindicado, e geralmente associado a uma recuperacao mais rapida para a mae, menor risco de complicacoes cirurgicas e uma melhor adaptacao do bebe a vida fora do utero", argumenta Luz.

"A mudanca por varios caminhos, como a educacao em saude para gestantes, a capacitacao dos profissionais de saude para oferecer um cuidado mais humanizado e centrado na mulher e a criacao de politicas publicas que incentivem praticas baseadas em evidencias cientificas", defende a medica, lembrando que e essencial que as mulheres "sejam empoderadas com informacoes claras e acessiveis" para tomar decisoes conscientes sobre o parto que desejam, "sempre levando em consideracao a seguranca de ambos, mae e bebe".

Campos ressalta que a importancia da "conscientizacao da equipe assistencial e da populacao", com "enfermeiras obstetras acompanhando partos de risco habitual e equipe de assistencia atendendo em regime de plantao".

"A dor durante o trabalho de parto e um dos maiores temores das gestantes, e no Brasil, a escassez de analgesia farmacologica disponivel para o parto e um problema significativo", reconhece Luz.

"A dor durante o trabalho de parto e um dos maiores temores das gestantes, e no Brasil, a escassez de analgesia farmacologica disponivel para o parto e um problema significativo", reconhece Luz.

"Esse fator tem sido apontado como um dos principais motivos que levam muitas mulheres a optarem pela cesariana. Poucos hospitais contam com anestesiologistas disponiveis 24 horas para oferecer analgesia quando solicitada, o que limita o acesso das gestantes a um parto menos doloroso."

Ela acredita que para reduzir as altas taxas de cesarianas e preciso garantir "o acesso universal a analgesia" e cita Estados Unidos e Franca como modelos em que "a oferta de analgesia durante o parto e amplamente acessivel".

De acordo com levantamento realizado pela medica Maria do Carmo Leal, pesquisadora na Fundacao Oswaldo Cruz (Fiocruz), no inicio da gestacao 70% das gravidas brasileiras optam pelo parto normal — para a maioria, a opcao pela cesariana acaba sendo colocada durante os nove meses.

Brasil no topo do ranking

Para a Organizacao Mundial da Saude (OMS), indices de cesarianas inferiores a 10% sao um problema de saude publica — justamente porque indicam que mesmo em casos de necessidade a cirurgia especifica nao vem sendo feita. Ja quando a incidencia da cesarea e maior do que 20%, o problema e o oposto: ou seja, o procedimento tem sido feito sem real necessidade.

Estudo publicado em 2018 pelo periodico cientifico The Lancet com analise de dados de 169 paises situou o Brasil ao lado da Republica Dominicana, do Egito e da Turquia como os lugares onde a tecnica e utilizada em mais da metade dos nascimentos. O levantamento colocou o Brasil na segunda posicao entre os que mais realizam o procedimento, logo apos a Republica Dominicana.